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quarta-feira, 6 de maio de 2015

AS CRIANÇAS

Aquela cidade pacata e sem graça de duas semanas atrás, havia desaparecido depois da misteriosa e brutal morte de Padre Júnior. No velório do Padre, o Prefeito Germe e o Xerife Bigode haviam proposto  para todos os presentes cidadãos,  o toque de recolher às cinco da tarde, ato que – imaginavam eles -  evitaria qualquer incidente após o pôr do Sol. E se acontecesse seria fácil de identificar o causador de tudo.  


Todos da cidade estavam com muito medo. Todos não. Havia cinco crianças que sentiram o dever de tentar esclarecer aquele mistério do Padre Junior. Pedrinho era o mais catiço, curioso e levado ao heroísmo. Tinha 12 anos de idade. Escutou a estrondosa galopada e os relinchos assustadores surgir no meio da noite passada. Tentou se levantar para ver na janela, foi impedido pela mãe que entrou desesperada no quarto com o intuito de protegê-lo. Instinto de mãe. Perguntou á ela o que era aquilo, e não teve resposta. Pedrinho não conseguiu dormir aquela noite de curiosidade... 

Ao amanhecer, todos da cidade se reuniam na porta da igreja, não cabia mais gente lá dentro. Também não deixaram nenhuma criança entrar. Elas foram trancadas em suas casas naquele dia. Pedrinho conseguiu sair por seu esconderijo secreto, um calabouço que haviam descoberto brincando de esconde-esconde com seus amigos. 


A casa onde mora é enorme, herança de seu avô mais antigo. Quando se mudou tinha apenas três anos, seus pais comentaram de haver muitos mitos sobre a residência da família. Pedrinho encontrava objetos estranhos espalhados por lá quando brincava sozinho, entre eles; uma máscaras de Infâmia, um Tean Zu e a Aranha Espanhola (objetos de tortura usados em escravos), um dia quando chamou seus melhores amigos para brincar descobriram um calabouço. Soube posteriormente que seu avô criava escravos. 


O local escuro e úmido seguia por um corredor medonho pouco iluminado pela luz do Sol, luz esta que vinha pelas pequenas grades no ponto alto da parede de pedra. Foi Enzo quem encontrou um fecho minúsculo dentro da lareira do porão. Abrindo e tirando as lascas grandes encontrou o corredor que acreditaram de início ser assombrado. Corredor este que virou reuniões de brincadeiras entre eles. 


Ao fugir de casa para ver o que acontecia na Igreja Pedrinho viu enormes pegadas de ferraduras no chão seguindo em direção ao alvoroço de gente na porta da Igreja. Se esquivou de alguns bêbados e entrou na pequena multidão. Próximo á porta estava uma velha mendiga de roupas largas e sujas, com bolas grandes de linhas de lã e fazendo crochê avidamente. 


Pedro chegou no instante em que alguns velhos iam rumo a velha como se fosse agredi-la, neste instante a velha já estava com uma enorme agulha apontada para eles dizendo alto "Não querem que eu conte?! Vocês não acreditaram que um dia esta cidade poderia tornar suas maldições vivas novamente, né?! A Mula é o primeiro sinal de que muitas estão por vir..." Pedrinho não aguenta a ânsia e implora alto: –Conte-nos o que vai acontecer. Por favor.   "Eu não posso dizer mais que isto meu pequeno garoto. Se ainda querem saber, perguntem ao mais velho homem de Manga-Chata. Ele lhes contará tudo. Mais cuidado! Estas estradas estão mais negras que os olhos de Romãozinho..." 


Mais tarde no velório de Padre Júnior, Pedrinho encontra seus quatro amigos. Enzo, Adrian, Ana Clara e Bernardo. E conta tudo o que ouvira. -Esta velha é maluca! - exclama Enzo o mais velho de quatorze anos. - Vamos atrás dela então, hora... -Ana Clara intervém- Nossos pais não vão falar nada pra nós. - O que ela quis dizer com "Estradas mais negras que os olhos de Romãozinho?" Indagou Adrian. Meus pais não vão deixar eu sair de casa... -resmunga Bernardo o mais novo. - Sua mãe ficou muda de choque Bernardo, nem vai falar com você. Nem gritar...-ironizou Ana Clara. Todos riram baixo para não chamar atenção no velório. -Então está decidido. Vamos tentar saber de algo daqui primeiro, depois de amanhã vamos até Manga-Chata. - disse Enzo convicto. Xerife Bigode chama o Prefeito Germe e anuncia o Toque de recolher as cinco da tarde. As crianças somem do velório. 
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Douglas B.C. 

(06/05/2015) 

quinta-feira, 23 de abril de 2015

O XERIFE



Bigode é o responsável pela segurança da cidadezinha, desde que o Xerife Jerço morreu. Jerço era um exemplo á ser seguido, nunca deixara arruaceiro fazerem algazarra em Mistanásia. Prendera dois, dos mais famosos Foras da Lei que se perderam ali. Morreu de velho. Xerife Bigode era jovem ainda, recém-condecorado e mandado á prestar serviços em Mistanásia. Quando foi enviado, ficou á procura da cidade por mais de vinte dias. Quando se perdeu no caminho, encontrou a cidade.

Pela primeira vez tinha um caso pra resolver, esperava que não fosse um tão complicado quanto este, ou estes... Surgiram muitos de repente. Um padre fora brutalmente morto. Marta sumira dois dias antes de o padre morrer. A velha mendiga estava próxima ao corpo, ninguém a conhecia, a mesma escafedeu-se da mesma forma estranha que apareceu. Do nada. Na mesma semana um caminhoneiro registrou uma carta na delegacia. Dizendo ter sido vítima de um atentado, em uma noite em que se recolhia no leito de uma mata, á alguns dias de distancia da cidade. Descreveu o criminoso “era negro, tinha um gorro vermelho, fumava cachimbo, assobiava e sorria como o capeta, ainda me fez bigodes de carvão!”. –Você já viu o capeta sorrir senhor?! Perguntei encabulado. –Não. Mas se tivesse ouvido, ouviria esta risada – ele respondeu. Não me convenceu, parecia zombar da minha cara. Tentava ligar todos os estranhos fatos.

 A cidade agora estava em toque de recolher, todos estavam amedrontados. As mulheres ainda choravam pelo padre, os homens ansiavam pela volta de Marta e as crianças também estavam com medo. Nem todas. Pedrinho, Bernardo, Ana Clara, Enzo e Adrian ainda teimavam em não responder ao toque de recolher, tinham a idade entre oito e quatorze anos e uma energia incansável. E o pior de tudo, elas ficaram atiçadas por tudo aquilo e pelo que a velha mendiga disse. – Vocês estão condenados pelo pecado deste homem. A maldição caiu sobre esta região... A Mula está de volta depois de tantas gerações...” Xerife Bigode sentiu que não conseguiria resolver tudo aquilo sozinho, precisava de um assistente. E rápido. Os moradores dali já estavam bravos pela demora, e já tinha passado doze horas do velório de Padre Júnior.
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Douglas B.C.
(23/04/2015)

quarta-feira, 22 de abril de 2015

A MULA


Mistanásia é uma pequena, aconchegante e a mais distante cidadezinha da região de Mitim-Bonitim-Má. Região muito quente envolta por nove cidades subsequentes. Lugar onde o vento morre de cansaço sem esperança de ser enterrado.

Todos de Mistanásia esperava entender o que aconteceu na noite anterior. Ouviram-se galopes apavorantes, relinchos medonhos, e pequeno tremor no chão. Aos que se atreveram olhar pela janela, ficaram estáticos de pânico. Estes ficaram mudos, assombrados pelo que vira.

Parecia ser muitas mulheres que grunhiam em uma cavalhada. O pequeno povoado ficou impressionados e confusos, ao verem marcas de um galope só. As mulheres choravam alto. Grandes pegadas que parara na porta da única igrejinha da cidade. Uma mendiga velha fazia crochê ali próximo. Padre Júnior jazia morto, coiceado. Estava sem dedos e sem olhos. 

Chiavam murmúrios sobre o caso. Ninguém sabia dizer o motivo daquilo tudo em um lugar isolado como aquele. Os que viram pela janela não falavam, olhavam com olhos arregalados e boquiabertos. Os mudos correm para casa. A mendiga velha começa rir de repente, ninguém a conhece, nem sabem de onde veio. – Vocês estão condenados pelo pecado deste homem. (riso) A maldição caiu sobre esta região... A Mula está de volta depois de tantas gerações... – Quem é você velha?! Questiona um senhor. – É! Do que está falando?! Pergunta Pedrinho.  –Você matou o Padre Júnior! Acusa uma mulher.  A velha continua o crochê mesmo sendo questionada abruptamente. –Parece que seus tataravós não repassaram á vocês os mistérios que rodearam esta cidade há séculos atrás... A juventude se perdeu, em seus anseios inúteis. Os anciãos que ali estavam, começaram a se movimentar em direção á velha. No mesmo instante a velha mendiga pega a maior agulha de crochê e aponta á um dos velhos. –Não querem que eu conte?! Vocês não acreditaram que um dia esta cidade poderia tornar suas maldições vivas novamente, né?! A Mula é o primeiro sinal de que muitas estão por vir... –Conte-nos o que vai acontecer. Por favor. Pedro um adolescente implora á velha por explicações. Esta que junta suas coisas e sai mancando vagarosamente desajeitada.  –Eu não posso dizer mais que isto meu pequeno garoto. Se ainda querem saber, perguntem ao mais velho homem de Manga-Chata. Ele lhes contará tudo. Mais cuidado! Estas estradas estão mais negras do os olhos de Romãozinho...

No velório de Padre Júnior foi decidido por todos. Toque de recolher ás cinco da tarde. Por tempo indeterminado.  
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Douglas B.C.

(15/04/2015)

sexta-feira, 17 de abril de 2015

O PADRE


Marta é uma bonita e encantadora garota da cidade de Mistanásia. Cidade distante das grandes capitais, tão distante que nunca se deram o trabalho de coloca-la nos mapas. Alguns viajantes perdidos tropeçavam por lá. Marta não gostava de ir á igreja aos domingos. Nunca gostou, desde que seus pais ainda mandavam em seu nariz. Quando completou 16 anos resolveu morar sozinha, foi para o trailer de Andréia, uma cigana que aparecia por lá somente três vezes ao ano. Ficava quatro meses em cada visita.

Duas mulheres solteiras, morando juntas e sozinhas não era comum por ali. Falavam coisas sobre isto. Um domingo Marta resolveu aparecer na igreja. Saia rodada, decote e chinelas, seus cabelos negros e cheios eram muito perfumados. Atraía todo tipo de olhares. Desde os salientes aos mexiriqueiros. Sentou no último banco, ficou a admirar o belo e jovem rapaz que dizia versículos com muito entusiasmo. Este que ao vê-la sentada, sentiu como se o pecado acordasse dentro de si. Gaguejou em voz alta. Praguejou em pensamento.

 Padre Júnior era recém formado, a diocese havia-o mandado á Mistanásia por engano, e não tiveram contato com ele desde então. Um padre muito atraente, aos maus olhos. Nunca caíra em tentação, até agora... Marta tentava desvencilha-lo com os olhos. Padre Júnior evitava olhar pra ela, preferia direcionar seus olhos á Santa Margarida da Escócia esta, que segurava firme um crucifixo de Cristo e um cajado. Olhos baixos á seus fiéis. Seu nervosismo com a situação era aparente. Ao vê-la se levantar e sair, Padre Júnior se aliviara da tensão, sentia que isto poderia levantar falsos pensamentos sobre ele na pequena cidade. Seria um inferno para sua reputação. Fim da missa, cumprimentos alheios...

A igreja se fecha. Padre Júnior vai á seus aposentos. Uma pequena, simples e aconchegante casinha ao fundo da Igreja. Ao abrir a porta, sente cheiro de café recém preparado. – Soube que gosta de café padre. Marta diz em voz baixa. Padre Júnior não responde, está em choque com a inusitada situação.

Passado o tempo. Marta some da cidade. Padre Júnior não reza missas. Não sai de casa. Anda olhando em volta sempre. Sente medo. Uma noite, escuta-se relinchos altos, arrepiantes... Galopes ensurdecedores. A cidade treme. Padre Júnior olha pela janela, discretamente. Vê ao longe uma luz de fogo e fumaça em volta de um cavalo alto. Abaixa-se em seguida. Estava errado quanto ao animal. Era uma Mula muito alta... Ele reza alto. Sabe o que vai lhe acontecer.
Faz sinal da cruz. Implora seu perdão á Deus, pela maldição que cometeu com Marta.
 A jovem cigana.
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Douglas B.C. (01/04/2015)

1 - MENINO CAPETA


Estava há dias na estrada, a próxima cidade parecia nunca chegar. Meu caminhão estava próximo da reserva. Em volta, floresta escura e constante. Eram duas da manhã, noite clara, estrada limpa. O sono veio a pesar, adentrei o caminhão em uma mata fechada. Descansar a sono tranquilo numa rede ás margens de um leito calmo. Brisa suave, noite romântica. Perfeito.  

Em profundo sono, algo cutuca minha orelha, dou um tapa espantando o que achava ser um mosquito. De novo. Sem zumbido. Cutucado novamente, espanto com outro tapa, não acerto. Algo me belisca. Levanto a cabeça, olho em volta. Nada além de árvores melancólicas. Deito e durmo. A rede começa a balançar vagarosamente, talvez seja apenas o vento. A rede para por um instante. Balanço suave... Abro os olhos estranhando a mudança do clima de repente. Está mais gélido. Galhos mais ralos, abertos, finos. Sinto estranheza. Não lembro ter me pendurado aqui.  

POOOMMM! (buzina de caminhão) Pulo da rede assustado. "TCHIBUM". Caio no rio.   

- Merda! Água gelada.  Filho da Puta! Desgraçado!  

Todo ensopado, olho em volta. Silhueta na cabine. Corro, raivoso. “Vou matar o engraçadinho”. O vento fica forte. Silhueta de gorro.  

- Droga! Não está mais aqui.  

Risadinhas em volta.  

-Apareça! Filho da mãe! Arghhh 

Passos nas moitas. Saltos curtos na folhagem.  

- Vou embora. Preciso chegar logo na próxima cidade. Cadê as chaves?! Passaram dos limites. 

Pego minha espingarda. Sinto-a mais leve. Assobios... POW! Atiro. Falha.  

- Cadê a munição?! Flores?! Será o capeta há me atormentar esta noite?  

Fico vermelho de ódio. Assovios, risadinhas de um menino.  

- Cadê o desgraçado?! Deve ser um pesadelo.  
Perto do rio, uma silhueta escura, gorro, íris negras, escleras brancas, fumaça...  

- Mentira! Será o que eu vejo?!   

Num piscar de olhos, a imagem desaparece. Fico atônito, à procura. Amanhece logo. Não dormi nada. Cansado, faço ligação direta. O caminhão da sinal de vida. Dou ré. Pego a estrada.  
- Ninguém vai acreditar.  
Olho no retrovisor. Bigodes de carvão.  
-Filho da p...
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Douglas B.C. 
(04/01/2014)