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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

10 – A viagem


Ao sair da cidade de madrugada, Pedrinho pede para que todos sejam unidos nesta caminhada. Se sentirem perigo, que todos enfrentem a situação como um só. Enzo trouxe um facão, é o mais velho da turma com quatorze anos de idade e não poderia sair desarmado, ele sempre foi mais calculista com tudo o que fosse fazer, sempre pensava nas possibilidades. Bernardo também trouxe um facão escondido de seu pai, era o mais novo da turma com apenas oito anos porém, era o mais alto e mais forte deles. Ana Clara não trazia nada, ninguém era louco o suficiente para tentar mexer com ela com seus doze anos de idade, nunca havia perdido uma briga, seu medo era um segredo guardado. Adrian só trouxe comida, água, e algumas coisas para improvisar, era muito bom no improviso e Pedrinho trouxe sua mochila, barraca, e sacos de dormir.  
O deserto a noite era muito frio, precisavam aproveitar a madrugada e correr para atravessá-lo, pois o dia era insuportável de tão quente.  Depois de algumas horas em silêncio e, já a uma distância considerável da cidade, Adrian se senta na areia.  
– Pedrinho o Adrian sentou! – alerta Enzo.  
– Está tudo bem Adrian?  
– Está. – depois de uma pausa questiona - O que acontecerá quando nossos pais descobrirem que nós fugimos?  
– Já faz mais de três dias que aconteceu aquele negócio com o padre e desde então nossos pais não conversam, não dizem nada, ficam com aquelas caras espantadas e sem expressão. Nossa busca é pela cura deles. – responde Pedro.  
– Larga de ser fresco! Vamos logo, se for pra nos atrasar é melhor que ficar aqui, mocinha. – provoca Ana Clara.  
Pedro volta, pega a mão de Adrian e puxa-o dizendo: - Pode vir tranquilo, passaremos isto juntos.  
Mais confiantes as crianças partem para a aventura, sem saber o que os esperam no caminho. Bernardo passa ao lado de uma caveira dissecada pelo sol e faz careta.  
– O deserto não tem trilhas, a areia cobre todo vestígio de rastros durante o dia com o vento, temos que seguir sempre em frente, e não podemos esquecer a direção que estamos indo, se não poderemos morrer aqui. Logo veremos sinal da floresta. – alerta Enzo.  
– Aquele velho do mercadinho também disse que só é possível atravessar este deserto a noite, então vamos deixar de conversa e andar mais rápido. – ordena Ana Clara.  
Ao longe as crianças notam uma pequena luz surgir em uma montanha de areia.  
– O que é aquilo?! Parece que está vindo em nossa direção.  
A luz se multiplica, pontos em fila.  
– Estranho... – pondera Bernardo já segurando o cabo do facão.  
As crianças param, observam e notam que são pessoas, vestidas de branco iluminadas pela Lua cheia, a imagem fica mais nítida a medida que se aproximam, acompanhados do som de um mantra, ritmado por um bumbo.  
– É uma procissão seus medrosos. – afirma Ana Clara tomando a frente.  
– Espera Ana! Não sabemos do que se trata. – diz Enzo. Bernardo volta três passos com medo daquilo, o mantra fica mais audível: 
“Reza mais, reza mais, reza mais uma oração; Reza mais, reza mais pra alma que morreu sem confissão; Reza mais, reza mais, reza novena e trezena; Reza mais, reza mais pra alma que morreu sem cumprir pena”. 

Ana Clara nota o primeiro da fila carregando uma enorme cruz preta, e o restante velas vermelhas, todos com o que parecia ser um enorme cone na cabeça. Pareciam fantasmas. Um deles sai do grupo e vai em direção a Ana Clara. Bernardo chega próximo com o facão em punho. O “fantasma” para e diz: 
“Mulher, guarde seu medo e sua raiva, a noite é dos mortos. Guarde esta vela e este Rosário Bento pra mim, não importa se ela apagar, na escuridão do seu caminho, essa vela reacenderá e a guiará”. 
Ana Clara, tentou enxergar o brilho dos olhos escuros daquela mascara lisa e grande, ao mesmo tempo que tentava decifrar aquilo que mais parecia ser um alerta do que um enigma. O mesmo, volta para seu grupo, na procissão rumo a Mistanásia. 
Bernardo segura a mão de Ana Clara, olha nos olhos dela e balança a cabeça em sinal de apoio. 
- Vamos estar sempre juntos Ana Clara, guarde sua raiva e seu medo, sabemos que deva ter motivos sérios para ser assim, mas não é problema nosso. Estes são fantasmas, me lembro de minha avó dizer algo sobre eles mas, pensava ser lenda apenas. – disse Enzo, e prosseguiu – Isto se chama “Procissão das Almas”, eles ficam vagando em nosso mundo por terem sido tão ruins quando vivos que a terra, foi capaz de rejeitá-los. Então ficam a vagar deixando suas velas às pessoas que plantam o mal, prometendo sempre voltar para buscar esta mesma vela. 
- E se a pessoa não aceitar segurar a vela? – questiona Adrian. 
- A pessoa não consegue rejeitar e, se caso ela se arrependa do que fez de coração, a vela vira uma bela Orquídea Lilás, caso contrário, se transforma em uma parte do corpo humano. Quando a procissão volta para pegar a vela, eles levam a alma do sujeito. – conclui Enzo. 
- Eu não vou com eles. – afirma Ana. 
- Eles não disseram que voltariam. Só lhe aconselharam. – abrandou Pedrinho. 
- Vamos gente está próximo de amanhecer. No deserto o dia chega mais cedo. – alerta Adrian. 
Ana Clara fica mergulhada em pensamentos. Ainda tentando entender, por que diabos resolveram escolher ela, e por que não poderia ser outro dos meninos a carregar a maldita vela? “Não bastasse aquele monstro do quarto ficar me atormentando quase todas as noites, me fazendo perder noites de sono. Agora isto. O que fiz para merecer essas assombrações?” 
Em meio à esses pensamentos, o rosto de seu padrasto vem a sua memória, junto com as visitas indesejadas que ele fazia em seu quarto. 

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