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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

6 - O negrinho pastoreio


Adão é um sinhozinho de pavio curto, incompreensivo e chulo em suas ofensas. Comprou doze escravos novos e ganhou um de brinde. O brinde tinha 14 anos e se chamava João. O menino não servia pra muita coisa, por isto veio de brinde. Adão não tinha ideia do que fazer com ele. Olhou seus belos cavalos e já mandou-o pra estrebaria. João caminhou até o curral, limpou as fezes dos animais e comeu-os, sentia fome desde que nascera. João apesar de muito seco, tinha uma força quase sobrenatural, limpava avidamente os cochos e até erguia-os de vez em quando para limpar por debaixo. Os cavalos eram muito bem tratados, os escravos os invejavam. Comida, banho, pentes e passeio. As mulas sofriam mais, puxavam carroças muito pesadas com balaios de cereais. 
Todas as tardes, Adão reunia seus escravos para rezar, ele mesmo lia a Bíblia Sagrada. Deixava-o como o deus que os escravos deveriam adorar, respeitar e obedecer acima de tudo. Adão era o deus escrito na Bíblia para os escravos analfabetos. A rotina deles eram as mais desgraçadas que um ser humano pode suportar, madrugavam na plantação, no frio, seminus, comiam muito poucas vezes, sua resistência vinha de folhas, frutos e restos de comida encontrados nas lavagens dos porcos. Ainda regrado, se Sinhozinho descobrisse, seriam castigados com dolorosos açoites.  
Adão vivia sobre um cavalo baio, era o seu favorito. Valente, resistente e quase indomável. Achava ser o mais bonito também, alto de cor amarelo queimado, crina e patas negras. Um dia havia o salvado de uma mula negra, alta e furiosa por tentar pega-lo, seu cavalo baio a enfrentou e galopou incessante para despistá-la. Adão nunca havia visto uma mula como aquela. Ficou com medo pela primeira vez. Desde então, tomou o baio como seu. 
João, o pequeno escravo ficou ordenado a pastorear com os cavalos e os potros todas as manhãs, cumprindo sempre as ordens do sinhozinho para não ser castigado como sua amiga, que foi chicoteada até a morte pelo único filho, com Adão apontando uma espingarda na sua cabeça, enquanto sorria friamente. Em um dia exaustivo, João em seu caminho com os animais se distraiu com o que parecia a silhueta de uma mulher muito branca, andando do outro lado do Rio Prada, um dos maiores rios no sul do país Sem Nome. Uma mulher que caminhava vagarosamente próximo ao rio descalça e coberta por um tecido fino azul. O pequeno João voltou sua atenção aos cavalos e deixando-os descansar sob a grande sombra das árvores, que acompanhavam o leito do rio enquanto ele observava a margem oposta atentamente. A manhã já terminava, e ele passara da hora de voltar com os cavalos e potros às terras do sinhozinho, o homem mais temido daquela região.  
Quando Adão percebera a demora do pequeno escravo, preparou rapidamente o açoite num tronco de aroeira no meio da fazenda, lugar de castigo dos negros. João o pequeno escravo já espera por isto. Foi amarrado e açoitado até sua pele negra ser coberto pelo vermelho do seu próprio sangue. Adão deixou-o no tronco enquanto almoçava, até perceber que um de seus cavalos não estava entre sua tropa. Pior ainda que, o que faltava, era o seu favorito. O cavalo baio. 
Furioso, Adão desamarra o negrinho pastoreio, ordenando-o trazer seu cavalo de volta, ainda esta tarde. Ensanguentado e ferido, João sai cambaleando rumo ao mesmo caminho que fizera mais cedo, em torno do Rio Prada. Na esperança de ver novamente a mulher branca e pedir socorro.  Exausto e fraco, João o negrinho, cai sob a sombra das árvores e adormece.  
Adão, ainda mais furioso, sai à procura do moleque negro, com um açoite de espinhos e cordas de farpas soltas para prendê-lo e castiga-lo até a morte. Um de seus escravos mais fieis o acompanha. João acorda sobre chicotadas e os gritos chulos que sinhozinho disparava em seu corpo. Sem forças para fugir e dormente pelas dores João permanece como fora encontrado, deitado. Isto irrita mais ainda Adão. Que amarro-o em cima de um formigueiro, no pé da árvore mais alta daquele lugar, de castigo. Caso sobreviva até o dia seguinte, o sinhozinho promete voltar e busca-lo, e talvez vende-lo para outro fazendeiro. João, sente as formigas subirem seus pés descalços, amarrado no tronco da árvore, espera que a morte o busque rapidamente.  
No dia seguinte, ao retornar ao local, Adão o sinhozinho fica surpreso e atônito com o que vê. No lugar onde deixara o pequeno escravo quase morto, estava a imagem de Nossa Senhora do Rosário, a padroeira dos escravos, formada pelas formigas tecelãs. A imagem branca coberta por um manto de folhas verdes, com o dedo apontado em direção aos pés do sinhozinho. Este que, lacrimejando, cai de joelhos aos pés da imagem, implorando perdão. 
Logo, o pequeno escravo surge galopando vagarosamente no cavalo baio, por detrás da grande árvore. Sem nenhum ferimento, em forma e sorridente. Adão levanta seus olhos chorosos para o Negrinho que desce do cavalo. Pede perdão a ele, o pequeno garoto fecha o sorriso e sem reponde-lo beija a mão de seda de Nossa Senhora em agradecimento, monta o cavalo baio e sai em disparada na direção da fazenda. As formigas ácidas começam a subir no colo de Adão o sinhozinho, este que não consegue tirar seus joelhos do chão. 

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