Adão
é um sinhozinho de pavio curto, incompreensivo e chulo em suas ofensas.
Comprou doze escravos novos e ganhou um de brinde. O brinde tinha 14
anos e se chamava João. O menino não servia pra muita coisa, por isto
veio de brinde. Adão não tinha ideia do que fazer com ele. Olhou seus
belos cavalos e já mandou-o pra estrebaria. João caminhou até o curral,
limpou as fezes dos animais e comeu-os, sentia fome desde que nascera.
João apesar de muito seco, tinha uma força quase sobrenatural, limpava
avidamente os cochos e até erguia-os de vez em quando para limpar por
debaixo. Os cavalos eram muito bem tratados, os escravos os invejavam.
Comida, banho, pentes e passeio. As mulas sofriam mais, puxavam carroças
muito pesadas com balaios de cereais.
Todas
as tardes, Adão reunia seus escravos para rezar, ele mesmo lia a Bíblia
Sagrada. Deixava-o como o deus que os escravos deveriam adorar,
respeitar e obedecer acima de tudo. Adão era o deus escrito na Bíblia
para os escravos analfabetos. A rotina deles eram as mais desgraçadas
que um ser humano pode suportar, madrugavam na plantação, no frio,
seminus, comiam muito poucas vezes, sua resistência vinha de folhas,
frutos e restos de comida encontrados nas lavagens dos porcos. Ainda
regrado, se Sinhozinho descobrisse, seriam castigados com dolorosos
açoites.
Adão
vivia sobre um cavalo baio, era o seu favorito. Valente, resistente e
quase indomável. Achava ser o mais bonito também, alto de cor amarelo
queimado, crina e patas negras. Um dia havia o salvado de uma mula
negra, alta e furiosa por tentar pega-lo, seu cavalo baio a enfrentou e
galopou incessante para despistá-la. Adão nunca havia visto uma mula
como aquela. Ficou com medo pela primeira vez. Desde então, tomou o baio
como seu.
João,
o pequeno escravo ficou ordenado a pastorear com os cavalos e os potros
todas as manhãs, cumprindo sempre as ordens do sinhozinho para não ser
castigado como sua amiga, que foi chicoteada até a morte pelo único
filho, com Adão apontando uma espingarda na sua cabeça, enquanto sorria
friamente. Em um dia exaustivo, João em seu caminho com os animais se
distraiu com o que parecia a silhueta de uma mulher muito branca,
andando do outro lado do Rio Prada, um dos maiores rios no sul do país
Sem Nome. Uma mulher que caminhava vagarosamente próximo ao rio descalça
e coberta por um tecido fino azul. O pequeno João voltou sua atenção
aos cavalos e deixando-os descansar sob a grande sombra das árvores, que
acompanhavam o leito do rio enquanto ele observava a margem oposta
atentamente. A manhã já terminava, e ele passara da hora de voltar com
os cavalos e potros às terras do sinhozinho, o homem mais temido daquela
região.
Quando
Adão percebera a demora do pequeno escravo, preparou rapidamente o
açoite num tronco de aroeira no meio da fazenda, lugar de castigo dos
negros. João o pequeno escravo já espera por isto. Foi amarrado e
açoitado até sua pele negra ser coberto pelo vermelho do seu próprio
sangue. Adão deixou-o no tronco enquanto almoçava, até perceber que um
de seus cavalos não estava entre sua tropa. Pior ainda que, o que
faltava, era o seu favorito. O cavalo baio.
Furioso,
Adão desamarra o negrinho pastoreio, ordenando-o trazer seu cavalo de
volta, ainda esta tarde. Ensanguentado e ferido, João sai cambaleando
rumo ao mesmo caminho que fizera mais cedo, em torno do Rio Prada. Na
esperança de ver novamente a mulher branca e pedir socorro. Exausto e
fraco, João o negrinho, cai sob a sombra das árvores e adormece.
Adão,
ainda mais furioso, sai à procura do moleque negro, com um açoite de
espinhos e cordas de farpas soltas para prendê-lo e castiga-lo até a
morte. Um de seus escravos mais fieis o acompanha. João acorda sobre
chicotadas e os gritos chulos que sinhozinho disparava em seu corpo. Sem
forças para fugir e dormente pelas dores João permanece como fora
encontrado, deitado. Isto irrita mais ainda Adão. Que amarro-o em cima
de um formigueiro, no pé da árvore mais alta daquele lugar, de castigo.
Caso sobreviva até o dia seguinte, o sinhozinho promete voltar e
busca-lo, e talvez vende-lo para outro fazendeiro. João, sente as
formigas subirem seus pés descalços, amarrado no tronco da árvore,
espera que a morte o busque rapidamente.
No
dia seguinte, ao retornar ao local, Adão o sinhozinho fica surpreso e
atônito com o que vê. No lugar onde deixara o pequeno escravo quase
morto, estava a imagem de Nossa Senhora do Rosário, a padroeira dos
escravos, formada pelas formigas tecelãs. A imagem branca coberta por um
manto de folhas verdes, com o dedo apontado em direção aos pés do
sinhozinho. Este que, lacrimejando, cai de joelhos aos pés da imagem,
implorando perdão.
Logo,
o pequeno escravo surge galopando vagarosamente no cavalo baio, por
detrás da grande árvore. Sem nenhum ferimento, em forma e sorridente.
Adão levanta seus olhos chorosos para o Negrinho que desce do cavalo.
Pede perdão a ele, o pequeno garoto fecha o sorriso e sem reponde-lo
beija a mão de seda de Nossa Senhora em agradecimento, monta o cavalo
baio e sai em disparada na direção da fazenda. As formigas ácidas
começam a subir no colo de Adão o sinhozinho, este que não consegue
tirar seus joelhos do chão.
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